JAIME PRADES
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MARIE ODILE BRIOT 1990
Marie Odile Briot - Curadora - Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris - 1990


Texto de apresentação do evento multimidia "Façades Imaginaires".

JAIME PRADES: ARTE NA RUA

“A construção da Place des Victoires (eu havia escrito Sainte-Victoire, um lapso significativo) não foi terminada a tempo para a abertura oficial, e as fachadas que faltavam foram pintadas em trompe l’oeil. Não creio que esta mistura de pedra e papier-maché tenham incomodado Louis XIV quando ele fez sua inauguração. Rei por Direito Divino, ele tinha um senso de teatro e de espetáculo, das aparências e do show – em outras palavras, fachadas imaginárias.
Um estudo atento de livros sobre mansões revela que um notável número de castelos nunca foi habitado pelos que os mandaram construir; por quinze ou vinte anos eles os habitaram em seus sonhos, mas as construções só se completaram após sua morte. Pessoas comuns, a quem era negado o direito de embarcarem em tais vôos da fantasia, iam direto ao essencial – imaginário, sim, mas tangível: minha avó, que pagou o aluguel pela casa de chão batido lavando roupas, mandou construir um túmulo para ela. O que me faz pensar que não se pode viver melhor do que em ‘algum lugar’, e que não há melhor ‘algum lugar’ do que os que estão além dos mapas.
É por isso que a maioria dos nômades incorruptíveis escolheu habitar o tempo. Eles vivem à noite, na face escondida do Sol, no planeta ‘Alternativo’, orbitando a sombra da Ordem diurna, como borboletas prestes a serem queimadas em shows de luzes.
Fachadas efêmeras, imagens insubstanciais suspensas num véu imaterial, mais leve que as paredes pintadas. Roupas de luz, trajes de festa e bombas de fumaça para reenfrentar o antigo, como uma prestidigitação elétrica, num planeta deixado na obscuridade do espaço-tempo cósmico. À noite atemporal dos amantes e xamãs, o século XX adicionou a noite elétrica e a cidade iluminada; ‘Mate o Luar’ (Marinetti, 1909) ou ‘Vitória sobre o Sol’ (ópera para a qual Malevitch desenhou o cenário e o figurino em 1913 – libreto de Kruchenykh, música de Matiushin); os Futuristas foram os primeiros a celebrar a união antinatural ente as cidades e os artefatos de luz artificial. Eles acreditavam na alma ‘unânime’ das cidades, e na ‘simultaneidade’ da velocidade da luz. Alguns até descobriram a ‘unanimidade’ das raças e dos continentes, uma vez que suas diferenças eram expressas em termos de fusos horários.

‘Você é Tupi daqui ou Tupi de lá?’ – Os Grafiteiros

Seis horas a oeste, em outro hemisfério, iluminada por outras constelações, e com um crescente da lua que ‘olha para outro lado’, está São Paulo, uma das mega-cidades do século 21. Sua população cresceu de 600.000 em 1900 para 13 ou 15 milhões no presente, inicialmente acumulando ondas de imigrantes da Ásia e da Europa até os anos 50, e depois outros, do interior sem limites; um fuso horário completo e milhares de anos de história separam São Paulo, na costa Atlântica, de Manaus, nas profundezas da Amazônia, perto dos limites territoriais do Brasil. Não é surpreendente que os ‘grafiteiros’ considerem as paredes de sua cidade como uma enorme tela, e que haja mesmo uma escola de graffiti, com sua própria história, lendas e figura paternal/heróica fundadora; Alex Vallauri, falecido, como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring, na flor da idade, em 1987, aos 38 anos.
Ele nasceu na Eritréia (antiga Etiópia). Sua primeira intervenção data de 1978, “A Bota Preta”, uma mulher-pantera com botas de salto-alto (por coincidência, no ano seguinte, as colagens serigráficas de Ernest Pignon foram apresentadas na Bienal). Foi a época do desaparecimento do governo militar.
Em 1982, sua visita a Nova York estabeleceu a ligação entre os grafiteiros paulistas e novaiorquinos. O trio “Las Panteras” – Alex Vallauri, Carlos Matuck, Waldemar Zaidler – expôs seu trabalho na Bienal de 1985, à qual Keith Haring, Kenny Scharf e Penck foram convidados.
Críticos brasileiros identificam três gerações de grafiteiros: a primeira, uma geração de liberdade artística, caracterizada por spray art, anônima e ilícita; a segunda foi a época dos stencils, ainda uma forma de arte noturna; e a terceira geração marcou a mudança para a pintura e a proclamação aberta da auto-expressão da contra-cultura, de um projeto de humanização da cidade. Durante a campanha eleitoral de 1986 os artistas atacaram a poluição mental e estética causada pela pichação do candidato oficial, e contestou o direito dos políticos de ocuparem as paredes da cidade ilegalmente. Alinhado com a mais pura tradição western e com as justas poéticas, John Dennis Howard, um grafiteiro norte-americano que vivia no Brasil desde 1973, desafiou o político para um duelo de pintura, com base na estética urbana. Em termos de mídia, ele obviamente venceu. A mega-cidade escolheu a urbanidade dos artistas.
Graças ao mecenato institucional e a patrocinadores privados, eles ganharam o direito à citação e aos quinze minutos de fama a que qualquer verdadeiro descendente de Warhol pode aspirar.
Outro brasileiro, nascido em Madrid em 1958, Jaime Prades (Jaimito), fazia parte do grupo Tupinãodá – Jaime Prades, Zé Carratú, Carlos Delfino. O nome que adotaram é diretamente ligado ao mito original da Modernidade brasileira. Os Tupis, tribo que habitava o que mais tarde veio a ser o estado de São Paulo, desapareceram há muito tempo, mas deixaram sua marca no sangue miscigenado brasileiro e na alma “unânime” da capital de negócios da América Latina, cuja maioria da população é branca. Por exemplo, no ritual umbandista de São Paulo, o orixá, que ‘baixa’ no sacerdote em transe, fala tupi.
Oswald de Andrade, o teórico do Modernismo, também falava tupi: ‘Tupi or not Tupi, that is the question’. Esse mote do Manifesto Antropofágico (1928, ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha) se tornou um aforismo bem conhecido e ponto de referência para a arte desse século. Sob o nome de ‘Antropofagismo’, os brasileiros (Oswald) foram os primeiros a desenvolver teorias sobre o impacto da Arte Moderna emergente em culturas não européias no planeta, o que inclui a escola de Nova York: engolir a ‘lição’ da velha Europa para trazer uma arte de nova, crua. Para essa história de arte crua e cozida, Oswald de Andrade deu uma origem simbólica, cuja base histórica ou lendária não é definida: em 1554, os portugueses enviaram um bispo para converter os pernambucanos. Ao chegar, ele foi ritualisticamente devorado pelos canibais (antropófagos). Seu nome era Sardinha.
Por um breve instante, a sombra de Sardinha e dos Tupis, devorados pela modernidade, flutuará sobre a fachada clássica da igreja de São Luís, na sombra causada pelos transeuntes em São Paulo. Nunca mais a visão e a expressão de uma face, de um falo, de um seio serão as mesmas... Picasso, Miró, o traço alegre de Jaimito se apropriam e reinventam as liberdades do século. Os antropófagos de Grenoble (pois toda cultura é canibalista: ‘a transformação constante do Tabu em Totem’ – Oswald de Andrade) não ficarão desconcertados. E se eles esperavam pelo Bom Selvagem na pele de um novo Fauve, que pena! Nos personagens formados pela desconexão das linhas e cores, eles reconhecerão o pensamento artístico e rítmico da parede, o trabalho de um artista contemporâneo: Jaime Prades, que só está separado deles por fusos horários, que fazem de cada um o produto do sonho do outro.”

Texto de apresentação do trabalho de Jaime Prades para o catálogo do evento multimídia "Façades imaginaires", Grenoble, França - 1990.