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BBC BRASIL 28/01/2017
De crime a arte: a história do grafite nas ruas de São Paulo. Lais Modelli, de São Paulo para a BBC Brasil.


http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38766202

Acima o link para a matéria. Deixo aqui documentadas as respostas completas que escrevi para a matéria da BBC. Acredito que têm um fio reflexivo coerente que vale a pena preservar.

O que é o grafite?

O impulso de rabiscar nas paredes pertence à memória mais antiga da humanidade. As primeiras imagens que conhecemos sobre a história do homem são as das cavernas pré históricas. Claro que existe uma relação poética entre a caverna e a cidade. As ruas das megalópoles contemporâneas são como uma caverna exposta, as avessas. Essa memória atávica dorme em nós, porém, em alguns ela acorda. Afinal, não somos tão contemporâneos e nem deixamos de ser tão primitivos. É só ver as notícias dos jornais.
O próprio acordar da nossa humanidade acontece concomitantemente ao ato criativo e ao fenômeno evolutivo da representação simbólica. Quem viu o filme de Werner Herzog “A caverna dos sonhos esquecidos”, saberá ao que estou me referindo.
A partir desse ponto de vista, o grafite configura-se como a renovação de uma necessidade expressiva humana essencial, primordial. A partir do final da década de 70, associado a outros processos sociais e políticos, transformou-se num dos maiores eventos culturais planetários.

O que foi e qual a importância da "geração de 80" para o grafite em São Paulo? Ela esteve associada aos protestos contra a ditadura?

Eu entendo que o que aconteceu nos anos 80 participa do resgate de ações artísticas nos espaços públicos. Artistas movidos pela ideia da cidade como suporte ou do palco urbano. Entretanto não pertence ao movimento do que hoje, acredito, pode se chamar de cultura do hip-hop da qual o grafite é a sua vertente visual.
O pensamento que alimentava as ações de arte nas ruas das quais eu participei era fruto da nossa tradição modernista, da anarquia antropofágica, da poética neoconcretista, da irreverência inspiradora de Flavio de Carvalho, dos artistas plásticos da geração dos anos 60 entre eles: Waldemar Cordeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Artur Barrio, Nelson Leirner, Mira Schendel e muitos outros artistas geniais. Havia essa identidade mais retro alimentadora, fruto da força da nossa cultura e do isolamento imposto pelos 20 anos de ditadura.
Ao mesmo tempo, não desconhecíamos nem éramos imunes aos grandes modernistas europeus, ao gestualismo abstrato norte americano, ao neoexpressionismo alemão assim como conhecíamos os novos artistas urbanos: keith haring e Jean Michel Basquiat e descobrimos, na minha opinião, o artista chave da arte urbana: Jean Dubuffet.

O que foi o Tupinãodá? Em que contexto se deu a sua formação?

“Você é Tupidaqui ou Tupidelá, você é Tupiniquim ou Tupinãodá?” Esse foi o nosso grito de irreverência contra tudo e a favor de todos. O Tupinãodá foi uma catarse, um fenômeno, um grito de jovens artistas de uma geração esmagada pela brutalidade insana e truculenta da ditadura militar. De artistas que não trilharam o caminho da formalidade e que ao perceberem a dificuldade de encaixar-se no sistema de arte procuraram encontrar o seu próprio espaço. Essa era a energia que emanava do Tupinãodá, foi como surfar uma onda que só aconteceu naquele momento.

Como era grafitar em uma época que o grafite era crime?

No nosso caso preparávamos nossas ações sempre a partir de uma chave poética. Fizemos algumas instalações em espaços escolhidos pela sua relevância com a cidade e com o seu próprio simbolismo. Fizemos algumas ações em prédios abandonados que quase ninguém viu. Assim como conceituamos e participamos da ocupação dos túneis das avenidas Paulista, Rebouças e Dr. Arnaldo (SP) em 1987 que quase todo mundo viu.
Cada caso era um caso. Nunca agimos sem ter uma poética, um conceito. Por isso evitamos sair por aí pintando nas paredes das casas das pessoas, não fazia sentido. Quando decidimos pintar escolhemos espaços públicos de grande impacto urbano. Fomos nós que ocupamos o “Beco do Batman” por perceber a estranheza daquele lugar. São alguns exemplos do exercício de um processo coletivo de criação.
Nunca agimos como criminosos, por isso decidimos fazer as nossas ações à luz do dia. Às vezes a polícia nos abordava e explicávamos o que fazíamos e nunca fomos agredidos ou presos.

Dória afirmou que assim como a arte fica nos “museus”, o grafite também tem que ficar em “lugares adequados”. Qual sua opinião sobre o projeto de Dória de apagar grafites da Av 23 de Maio, e da futura ação de limitar o grafite a um único lugar da cidade?

Tenho a impressão que é uma visão paternalista que quer impor o que considera “certo”. Logo, o grafite é algo “errado” que tem que ser contido e controlado. Nesse caso não seria mais grafite já que a alma do grafite é interagir com a cidade livremente. Nada muito complicado de entender.
Talvez, haja aqui uma tentativa de querer construir a imagem de que o nosso prefeito tem autoridade, é uma espécie de xerife, e vai por a cidade em ordem, acabar com essa desordem. Pode ser uma estratégia de marketing para aglutinar uma parcela da população menos sensível às contrariedades da nossa sociedade contra os grafiteiros e os pichadores “baderneiros”.
Se for isso me parece que é um assunto periférico, que servirá para desviar a atenção dos problemas terríveis que estão acontecendo e diante dos quais os nossos xerifes tornam-se cordeirinhos.
Não consigo levar essa postura de bedel muito a sério. Não me interessa tentar dialogar com um interlocutor que acha que vir falando grosso com nossos jovens vai tornar a cidade “linda”.
O que eu vejo é que as nossas elites insistem em achar que podem resolver os problemas sociais criados por eles mesmos varrendo pobres e abandonados para baixo do tapete. O que é uma visão tão desumana ao ponto de atribuir a culpa da pobreza aos pobres.

JP 23/01/2017